top of page

Educação ou evangelização? PL de vereador levanta polêmica em Conquista

Educação ou evangelização? PL de vereador levanta polêmica em Conquista
Educação ou evangelização? PL de vereador levanta polêmica em Conquista

Durante a sessão ordinária da Câmara Municipal de Vitória da Conquista, nesta quarta-feira (21), o vereador Edivaldo Ferreira Júnior (PSDB) defendeu o projeto de lei de sua autoria que propõe o uso da Bíblia como material complementar nas escolas da rede municipal. A proposta, segundo o autor, tem como objetivo valorizar os ensinamentos morais e éticos presentes nas Escrituras, destacando sua influência histórica e cultural.


O parlamentar utilizou o preâmbulo da Constituição Federal, que menciona a “proteção de Deus”, para justificar o projeto. Segundo Edivaldo, os valores bíblicos são compatíveis com os princípios constitucionais da liberdade, igualdade, justiça e bem-estar.


“A Bíblia não é apenas um livro espiritual. É o livro mais vendido do mundo, com mais de 5 bilhões de cópias traduzidas para mais de 3 mil idiomas. Qual o problema de ela ser utilizada como apoio didático?”, questionou o vereador, que afirmou representar a maioria cristã da população conquistense.

Limites legais e a laicidade do Estado


Apesar da justificativa cultural apresentada pelo autor do projeto, especialistas apontam conflitos com a Constituição Federal, que estabelece que o Brasil é um Estado laico — ou seja, não adota religião oficial e deve manter neutralidade diante das crenças religiosas.


A laicidade é garantida no artigo 19, inciso I, da Constituição, que veda à União, aos Estados e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, salvo na forma de colaboração de interesse público.


Dessa forma, o uso da Bíblia como material pedagógico oficial em escolas públicas pode ser interpretado como uma violação do princípio da laicidade, sobretudo se não houver pluralidade de visões religiosas. Mesmo que a proposta não torne o livro obrigatório, sua inclusão privilegiada em ambiente escolar pode abrir margem para questionamentos judiciais, especialmente de pais ou alunos de outras crenças ou não religiosos.


Além disso, o artigo 206 da Constituição Federal garante a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, e prevê o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas como base do ensino. Um eventual favorecimento de uma doutrina específica pode ser considerado proselitismo religioso, o que é vedado em escolas públicas.


Em entrevista ao Portal Cubo, a advogada Thalia Assis, vice-presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB de Vitória da Conquista, criticou a proposta e apontou riscos jurídicos e sociais:


"A questão não é apenas a laicidade do Estado. Adotar a Bíblia como livro moral, ainda que sob o argumento de cultura e tradição, fere princípios constitucionais inegociáveis, como a liberdade de culto e a dignidade da pessoa humana. Um projeto desse tipo naturaliza o racismo estrutural, a eugenia, o machismo estrutural e uma ética excludente.


Além disso, o argumento baseado no preâmbulo da Constituição é juridicamente frágil. A menção a 'Deus' não significa a adoção da Bíblia nem da fé cristã como base estatal. O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que o preâmbulo não tem força normativa e não pode ser usado como base jurídica para projetos de lei dessa natureza.


O mais grave é que impor uma ética religiosa específica, como a cristã, em escolas públicas exclui todas as outras formas de compreender o mundo — não apenas sob o ponto de vista religioso, mas também moral, cultural e social. Isso é filosoficamente incompatível com a civilidade contemporânea e eticamente irresponsável, sobretudo diante das consequências sociais que podem surgir, como o agravamento de preconceitos e violências.


E mesmo que os cristãos sejam numericamente maioria, a dignidade da existência humana e a liberdade de culto são direitos difusos, ou seja, pertencem a toda a sociedade. Portanto, independentemente de maioria ou minoria, é dever do Estado garantir a aplicação do princípio da equidade.”


O que pode e o que não pode?


É permitido abordar a Bíblia em aulas de História, Literatura ou Sociologia, por exemplo, como objeto de estudo — analisando sua influência cultural, artística ou política — desde que com caráter laico, crítico e acadêmico, e dentro de um currículo que também contemple outras tradições religiosas e filosóficas.


Não é permitido, no entanto, utilizar a Bíblia (ou qualquer livro religioso) como instrumento de doutrinação religiosa em escolas públicas. A imposição, direta ou indireta, de uma religião em ambiente escolar é considerada inconstitucional.


Próximos passos


O projeto ainda será analisado pelas comissões da Câmara Municipal e, se aprovado, segue para votação em plenário. Caso sancionado, a legalidade da lei pode ser questionada na Justiça por violar princípios constitucionais da laicidade e igualdade.


Móveis LM
bottom of page